O Pugilista - Reinhard Kleist

Uma era que afectou milhares e milhares de pessoas continua a dar-nos a conhecer, anos e anos depois, histórias novas e incríveis sobre os que sobreviveram ao horror do Holocausto. É o caso de Hertzko Haft, cuja história de vida e sobrevivência é retratada nesta obra inesquecível de Reinhard Kleist.

Hertzko Haft, judeu polaco, nem tinha ainda dezasseis anos quando foi levado para um campo de trabalhos forçados após a invasão da Polónia pela Alemanha Nazi. Para trás deixou a mãe, sete irmãos e Leah, a sua amada, com quem esperava casar antes que a guerra os separasse. E tanto mais os iria continuar a separar nos anos que se seguiriam. Mas Hertzko conseguiu escapar já quase no final da guerra, depois de protegido por alguns oficiais que o tornaram "O Pugilista" das distracções dos alemães, e depois de passar por campos de concentração como Auschwitz. Ao perder grande parte da família na guerra, Hertzko parte para os Estados Unidos onde procura apostar no que aprendera como pugilista nos campos e começar uma nova vida.

"Um dia conto-te tudo", diz Hertzko ao filho, que só muitos anos mais tarde viria a conhecer a verdadeira história de vida do pai que com ele fora sempre forte e violento, e a escrever a sua biografia que daria origem a esta bonita homenagem em banda desenhada. Até lá, guarda tudo para si: a dramática chegada aos fornos de Auschwitz, a necessidade de lutar contra outros prisioneiros (muito mais debilitados), e sobretudo de não se poder preocupar com os outros num lugar onde sobreviver é a única coisa com que se pode preocupar.

Apesar de toda esta história de sobrevivência contra todas as provações, como a de um menino super-herói que teve de crescer à força ao partir para a guerra - e isso nota-se na evolução da personagem ao longo da obra, na forma como depressa assume o novo contexto em que está inserido, por obrigação da vida -, Hertzko não é um homem fácil de entender, ou com o qual tenhamos facilidade em nos identificarmos. O que faz para sobreviver, a sua conduta com o filho, a culpa que carrega torna-o um homem amargo e quase insensível perante tamanha dor por que passou.

A sensibilidade reside apenas na memória e na esperança de reencontrar Leah, o amor da sua vida, cujo reencontro será dos momentos mais tocantes do livro e aquele que verdadeiramente humaniza Hertzko perante nós, espectadores e leitores da sua vida a tantos anos de distância. Um homem que nunca desistiu da vida e que nunca deixou de lutar pela felicidade mesmo após de tanta infelicidade. Um verdadeiro pugilista de atitude perante a vida, mais do que nas lides do boxe - ainda que nestas a sua curta carreira se tenha tornado inesquecível por tantos outros homens terem tido o mesmo destino (uns igualmente sobreviventes, outros esquecidos nos campos onde não resistiram) e também por ter enfrentado boxeurs como Rocky Marciano.

Outubro é para mim o mês da Amadora BD, da visita a esta capital da Banda Desenhada, e talvez por isso também aquele em que me apeteceu voltar a pegar num livro de BD e lê-lo de uma assentada em apenas algumas horas. As pranchas quase expressionistas, a preto e branco, mais imagéticas do que descritivas, catapultam-nos para a história de Haft como se dela fizéssemos parte, ajudando-nos a compreender melhor a sua história de vida. E fazem-nos apaixonar por esta novela gráfica tão intensa, dramática e que nos deixa sem palavras e com lágrimas nos olhos quando, no final, já sabemos "tudo" e nos identificamos com muito mais facilidade com Haft.

Comentários