Noites Brancas - Fiódor Dostoiévski

"Oh, Nástienhka, Nástienhka - pensei -, as coisas que tu disseste com essa palavra! Há momentos em que um amor como este arrefece o coração e pesa na alma. A tua mão está fria e a minha arde como fogo. Como és cega, Nástienhka! Como é insuportável ser-se feliz em certos momentos! Mas, apesar de tudo, não posso zangar-me contigo!"
'Noites Brancas', Fiódor Dostoiévski

Há algo mágico na primeira vez que lemos um autor que sentimos que nos vai dizer muito, e foi essa faísca literária que se deu no meu primeiro contacto com Dostoiévski. Apesar de ser uma obra muito pequena mostra uma alma gigante na forma como acompanha as emoções do protagonista e narrador anónimo pelas noites brancas e igualmente mágicas de São Petersburgo, pelas suas esperanças e desilusões de amor.

Cruza-se com Nástienhka numa destas noites brancas típicas da cidade russa. Partilham histórias de vida, amores e desamores, e juram nunca se voltar a separar agora que encontraram a amizade. No peito do narrador, porém, vai crescendo um amor não correspondido que transforma a narração quase totalmente construída em diálogo, inicialmente leve, numa tragédia iminente de culpa, dor e desilusão.

A desilusão é expectável, ainda que não desejável, por nós leitores que acompanhamos o relato na primeira pessoa deste homem cujo único erro foi deixar-se apaixonar perdidamente por uma mulher perdidamente apaixonada por outro homem. A história de Nástienhka é emotiva do início ao fim, entendemos a sua paixão avassaladora e queremos que ela seja feliz no fim de tudo, seja com que homem for. E ao mesmo tempo sofremos com ele, queremos que seja ele o escolhido para esse destino eterno.

Ela espera por um homem que aparentemente nunca virá, o que nos dá - e ao protagonista - a esperança de um dia poder ser ele a levá-la dali e a fazê-la feliz, e de que ela se apaixone por ele em lugar de pelo outro que nunca mais chega. Dostoiévski constrói esta reflexão muito íntima em discurso directo e indirecto, tanto no diálogo entre os dois como nos pensamentos intensos e apaixonados do narrador, que nos colocam constantemente do seu lado.

E faz-nos também apaixonar pelas noites brancas de São Petersburgo, pela sua escrita magistralmente subtil e provocante dos sentimentos que deseja passar ao leitor. É um conto sobre a vida, o encontro de dois transeuntes com histórias para ouvir e contar e sobretudo de duas almas que se entrelaçam em várias noites mágicas e que transformam a existência um do outro para sempre.

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