Na Memória dos Rouxinóis - Filipa Martins
"O avô viu-se reflectido nos olhos do neto e, talvez pelo seu narcisismo, concedeu que seis era pouco para a importância absoluta daquele recém-nascido. Saltou um algarismo e atribui-lhe a posição sete, um número primo. Sinal de reconhecimento de que este apenas era divisível por ele próprio ou pela unidade. Traço de personalidade que cedo se manifestou em Jorge Rousinol: não ter outro divisor natural, ser ele a única referência do seu sistema de medida."
'Na Memória dos Rouxinóis', Filipa Martins
A literatura portuguesa é feita de pormenores na forma como se escrevem as histórias. Mas também as histórias, por vezes, conseguem surpreender-nos pela sua simplicidade e peculiaridade. Foi esta sensação de estranheza que me levou a comprar quase por impulso este romance de Filipa Martins, para mim desconhecida à altura, que me conquistou com a primeira página e continuou a surpreender-me ao longo de todo o romance.
Jorge Rousinol, ou o número sete, é o protagonista deste 'Na Memória dos Rouxinóis'. Matemático galego que sempre defendeu a teoria do esquecimento como melhor instrumento para a tomada de decisões, Rouxinol tem um pedido de fim de vida no mínimo estranho para os que o conhecem: uma biografia para perpetuar as suas descobertas. Escolhe como biógrafo um homem com quem privara décadas antes mas com quem não tem já uma relação no presente, e que acaba envolvido nas memórias do biografado e nas suas próprias memórias.
Da fascinante história de Rousinol, que a meu ver torna o romance inesquecível, fazem parte o avô que só sabe o nome dos cinco primeiros netos e lhe chama sete em lugar de seis para ser um número primo, o pai que também era matemático e envia missivas criptografadas para o avô Rousinol, o xadrez como peça central e a brilhante teoria do esquecimento que tem tudo para dar certo se fosse remotamente possível conseguirmos agir como seres humanos sem passado, experiência ou memória.
E a par destas memórias de Rousinol, que se confundem com o presente, conhecemos também Nino, o biógrafo, e o seu marido, Camilo, sobrinho do biografado. Esta teia de relações e memórias, que unem Camilo a Rousinol e Nino a Camilo, tornam também o romance uma obra diferente e difícil de esquecer. O amor está sempre na origem de tudo, e quando este deixa de existir nada resta no casamento para além da mágoa que tem alimentado esta relação difícil e as memórias de tempos felizes passados.
É ou não positivo recordarmos o passado quando apenas nos relembra que no presente já nada é como era antes, impedindo-nos de agir inconscientemente e apenas pela emoção? E em que medida está a matemática presente em tudo o que fazemos? Um livro que nos deixa com mais questões do que aquelas com que começámos e com uma fórmula da vida que apenas pode ser descoberta através da leitura: a (r, m, 7, +) = x .
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