O Segredo dos Seus Olhos - Eduardo Sacheri

"Era inveja. O amor que aquele homem tinha vivido despertava-me uma enorme inveja, para lá da piedade que me suscitasse a tragédia em que esse amor acabara por naufragar."
'O Segredo dos Seus Olhos', Eduardo Sacheri

Uma das maravilhas adquiridas este ano na Feira do Livro de Lisboa, porque estava mesmo na altura de recordar esta história. Quando comecei a lê-lo ainda durante a feira, em longas tardes passadas à sombra das árvores na bonita relva do Parque Eduardo VII, sabia que ia voltar a emocionar-me com a investigação de Chaparro e a rever cada frame do filme à medida que a história se ia revelando.

Em 1968, Benjamín Chaparro, vice-secretário de um tribunal de instrução na Argentina, fica encarregado da resolução de um caso de homicídio de uma jovem mulher que deixou um marido de coração partido. Entre o dia-a-dia de Chaparro no tribunal, o seu amor quase platónico por uma mulher e a busca infrutífera do assassino pelo marido da vítima, Ricardo Morales, passam 25 anos sobre o início do caso. A reforma de Chaparro leva-o a escrever um livro sobre toda esta investigação e a revistar as provas, os acontecimentos e esta paixão antiga que se mantém bem presente.

"É porque pela primeira vez sabe que hoje sim, sem falta e sem demora, tem de ir bater à porta do gabinete; ouvir a voz dela a dizer-lhe que entre; plantar-se como um homem diante da mulher que ama; ignorar a pergunta trivial que os lábios dela soltam quando o recebem a sorrir; pagar, ou cobrar, a dívida que tem pendente e que é o único motivo válido que encontra para continuar a viver. Porque Chaparro precisa de responder àquela mulher, de uma vez e para sempre, a pergunta dos seus olhos."

'O Segredo dos Seus Olhos' é a história de Chaparro e Irene, do seu amor impossível e afastado pelo tempo e pela vida; dos olhos dela, que tanto parecem dizer, e dos olhos dele, que tanto gostavam de poder e saber colocar em palavras aquilo que sentem e o segredo que encerram. Mas é também a história do amor possível vivido por Morales, interrompido abrupta e injustamente por um assassino frio e cruel, que lhe levou para sempre a Liliana que os seus olhos deixaram de poder voltar a contemplar e passaram apenas a registar pela memória dos melhores anos da sua vida passados a seu lado.

O amor de Ricardo Morales, a sua dedicação primeiro à esposa e, após a sua morte, ao desvendar do caso da sua morte, é verdadeiramente tocante - pelos pormenores, talvez até mais do que o filme nos permite entender. No entanto a dimensão visual do filme, a ausência de informação e descrições das acções, tornam-no mais eficazmente emotivo, tocando os temas e a história do livro de forma ainda mais sensível, verdadeira e crua.

Num e noutro, há um peso na consciência e uma emoção que não se conseguem conter, sobretudo na leitura e na descoberta cinematográfica do desfecho totalmente imprevisível (ainda que com pormenores diferentes entre as duas linguagens culturais). 

São dois homens com duas paixões inspiradoras, que Eduardo Sacheri criou e escreveu de forma bastante interessante, e que no cinema atingem o seu expoente máximo de expressão (a todos os níveis). Sem dúvida uma leitura pouco adequada a passeios de Verão, mas muito relevante para entendermos um pouco melhor a vileza da natureza humana, o poder do amor e sobretudo, na lição de Chaparro, que nunca é tarde para se ser feliz.

"Quando posteriormente me contou com luxo de detalhes tudo o que acontecera nesse pequeno-almoço, não o fez como o comum dos mortais, que procuram reconstruir a partir de vestígios quase ilusórios, ou a partir do que recordam fragmentariamente de outras ocasiões similares, situações ou sensações que perderam para sempre. Morales não. Pois sentia que ter Liliana era uma felicidade abusiva, que nada tinha que ver com o que fora o resto da sua vida. E que, tal como o cosmos tende para o equilíbrio, mais tarde ou mais cedo ele teria de perdê-la para que as coisas voltassem à sua ordem devida. Cada uma das suas recordações com ela tingia-se dessa sensação de naufrágio iminente, de catástrofe ao virar da esquina."

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