Capitães da Areia - Jorge Amado


"Lá fora, dizia a velha canção, é o sol, a liberdade e a vida. Pela janela Pedro Bala vê o sol. A estrada passa adiante do grande portão do reformatório. Aqui dentro é como se fosse uma eterna escuridão. Lá fora é a liberdade e a vida."
'Capitães da Areia', Jorge Amado

A sobrevivência na liberdade das ruas, a luta na liberdade das mentes. 'Capitães da Areia' capta de forma crua a vida das crianças abandonadas na Bahia, que através de furtos e golpes procuram sobreviver nas ruas da cidade. Pelos temas, pela forma como Jorge Amado relatava as aventuras dos capitães e a sociedade brasileira, não só a obra se torna mais rica como se compreende a sua apreensão durante o Estado Novo. É tudo o que faz dela uma das grandes obras do século XX. 

Pedro Bala chefia o gangue dos Capitães da Areia – todos eles anónimos, todos eles escondidos da polícia, todos eles bastante diferentes entre si: o Professor com o seu sonho de ser pintor, Pirulito com a sua vocação para a Igreja, o Sem-Pernas com o seu feitio difícil. São um gangue de ladrões, mas na verdade não passam de crianças, órfãs, que sem carinho e sem uma casa e uma família se tornaram homens mais depressa.

A culpa dos pecados é da vida, não dos seus corações. Porque na verdade eles têm bons corações, querem ser alguém na vida. São ladrões porque é a única forma de sobreviverem. Porque cresceram depressa demais e já nem sentem muito a falta do amor e do carinho; aprenderam a viver sem eles, renegaram-nos. O padre José Pedro vê-o e tenta ajudá-los, indo mesmo contra as convenções da Igreja e da sociedade em si, que em lugar de os ajudar a abandonar aquela vida e ser alguém ainda os segrega mais.

Jorge Amado leva-nos por entre os pensamentos dos jovens, por entre vários episódios que mostram as suas aventuras, as pequenas alegrias e os momentos tristes. Episódios como o do pai de Bala, o do carrossel, o de Sem-Pernas na casa em que é bem tratado, e em particular o de Dora, a menina de longos cabelos loiros que é uma estrela nas suas vidas, fazem-nos não querer largar o livro do início ao fim. 

É Dora quem lhes abre os olhos: para a vida diferente que podem ter pela frente, para o futuro. Enfim, para a verdadeira liberdade, que não é só a das ruas. Para a luta. A marca política de ‘Capitães da Areia’ está presente em todo o livro, mas mais explicitamente neste final apoteótico que nos enche os corações, como culminar de uma história difícil e triste, mas bonita, cativante e, na realidade, uma forte história de luta e sobrevivência.

"Desde pequenos, na arriscada vida da rua, os Capitães da Areia eram como homens, eram iguais a homens. Toda a diferença estava no tamanho." 

"O que ele queria era felicidade, era alegria, era fugir de toda aquela miséria, de toda aquela desgraça que os cercava e estrangulava. Havia, é verdade, a grande liberdade das ruas. Mas havia também o abandono de qualquer carinho, a falta de todas as palavras boas."

"Os homens assim são os que têm uma estrela no lugar do coração. E quando morrem o coração fica no céu."

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