Histórias do Fim da Rua - Mário Zambujal

"Muitas partes aconteceram em cinquenta e seis anos gemidos e gozados. É tempo. Tudo tem o seu fim, até esta rua manhosa mas catita."
'Histórias do Fim da Rua', Mário Zambujal

'Histórias do Fim da Rua' é, como o título indica, uma espécie de colectânea de histórias sobre uma rua, sim, mas sobre tanto mais que a vida daquela rua engloba. Entre a inevitabilidade e a esperança, joga-se a vida através de diversos narradores, que vão contando e espelhando, à sua maneira, o que a rua e as pessoas significam para si.

A alternância entre personagens é, para mim, um ponto de destaque no romance de Zambujal, um autêntico contador de histórias, como já o sabemos. Sempre na primeira pessoa, por vezes falando também de outros ausentes, as vozes sucedem-se na narrativa, dando o seu quinhão para este pedacinho de memória de uma rua que está prestes a chegar ao fim, dado que vão deitar abaixo aquele pequeno bairro para construir uma nova estrada. Algo que pode acontecer a qualquer altura.

"Sou um céptico dos astros, das cartas, da palma da mão, e não disponho, para os trovões, de tradutor etrusco. Encontro-me, assim, numa desconfortável incerteza quanto ao acerto ou cabeçada das decisões que vou tomar. Tomei-as já. O jogo da vida é este, palpita-se, arrisca-se, em cada dia as emoções do jogador, esperança e medo, o gosto de apanhar, o prejuízo de uma opção errada."

Paralelamente a tudo isto, Sérgio e Nídia enfrentam o fim da relação e do casamento, que ambos querem, mas que nenhum deles tem coragem de dar o primeiro passo. No entanto, o impasse está prestes a terminar com um "jantar de divórcio", talvez o golpe fatal para o doutor e a esposa. Ou não. Aqui temos também algo inevitável - todos o sabemos, é dado a entender ao longo de todo o livro -, contudo, uma chama de esperança acende-se, tal como na questão do fim da rua, numa analogia muito bem construída. E histórias são apenas histórias, quem diz que são reais?

"Reconhecerá ele o vestido preto? Parvoíce minha, mas ficaria desapontada se não o notasse. Mesmo tratando-se de marido em liquidação, uma mulher aprecia algumas atenções - e, francamente, não é justo esquecer o primeiro vestido que despi para ele!"

Mário Zambujal acerta mais uma vez na fórmula de sucesso para entreter, com o seu humor fácil, mas criativo, e para reflectir, quando questões mais altas se "alevantam". A sua escrita corrente, directa e acessível a todos, é um traço que não se perde na simples transmissão de ideias, construindo todo um universo do qual é impossível sair indiferente. Este 'Histórias do Fim da Rua' foca-se, uma vez mais, em personagens bem portuguesas, quase estereótipos (embora não necessariamente comuns), que descobrimos de forma tão interessante.

De destacar, ainda, o prefácio de Alice Vieira, 'Carta para o Mário', que nos leva a conhecer melhor o autor e a apreciar a escrita desta companheira de Zambujal, que nos oferece uma bonita carta. 'Histórias do Fim da Rua', mais do que tudo, é uma homenagem à Rua de Trás, em Lisboa, e aos seus habitantes que, mais do que vizinhos, se sentiam 'companheiros' de rua. Uma bela história!

P.S. - Maravilhoso o capítulo do jantar de Sérgio e Nídia :)

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