A Ilustre Casa de Ramires - Eça de Queirós

"Como a flor murchara! Que mesquinha honra! E que contraste o do derradeiro Gonçalo, encolhido no seu buraco de Santa Ireneia, com esses grandes avós Ramires cantados pelo Videirinha – todos eles, se a História e a Lenda não mentiam, de vidas tão triunfais e sonoras!"
'A Ilustre Casa de Ramires', Eça de Queirós

Não precisamos de grandiosas epopeias para exaltar o orgulho português. A prosa irónica e alegórica de Eça de Queirós também serve bem esse propósito, de forma simples e directa, mas tão inteligente, tão rebuscada. A história d'O Fidalgo da Torre de Santa Ireneia dá o mote para uma caracterização de Portugal aos olhos da geração do final do século XIX, sempre sob a maravilhosa pena de Eça. 'A Ilustre casa de Ramires' (e dos Ramires! de ontem e de hoje).

Gonçalo Mendes Ramires é o herdeiro da casa de Ramires que dá nome à obra, família aristocrata mais antiga que Portugal. Depois de terminar o curso em Coimbra, regressa a Vila Clara, no interior de Portugal, onde passa o tempo com os seus amigos e visita, de vez em quando, a cidade de Oliveira e a irmã Gracinha. Gonçalo ambiciona ser deputado e reabilitar a sua condição de fidalgo, pelo que aceita o convite de um amigo para escrever uma novela sobre um antepassado seu, Tructesindo Ramires.

Uma diversidade de conflitos e narrativas cruza-se nesta 'A Ilustre Casa de Ramires'. Por um lado é a vida provinciana de Vila Clara, de Gonçalo na sua Torre; por outro é a novela histórica que o aristocrata escreve sobre o seu antepassado, fantasiada (dado o carácter lendário), muitas vezes sem darmos conta da transição de uma para a outra. É curiosa a vida ociosa e mesquinha de Gonçalo, sempre em jantaradas com Titó, Videirinha e João Gouveia, os seus amigos de sempre. Em comparação com estes seus antepassados de feitos gloriosos, ele não é ninguém. E essa ideia atravessa toda a obra.

Sobretudo se nos focarmos na sua relação com André Cavaleiro, antigo amigo, que passou a odiar por uma situação com a irmã. No entanto, a ambição de ascender e estabilizar-se socialmente fê-lo colocar as inimizades de lado, agindo por interesse, e voltar a receber Cavaleiro na sua vida, como se o tempo nao tivesse passado. É esta sua fragilidade de valores que o separa, em primeiro lugar, dos antigos Ramires; e depois toda a sua cobardia, demonstrada em situações de ameaça, de óbvia fraqueza de carácter para se defender e à sua família.

Ao mesmo tempo todo o seu ser se desesperava contra aquele desgraçado medo, encolhimento da carne, arrepio da pele, que sempre, ante um perigo, uma ameaça, um vulto surdindo duma sombra, o estonteava, o impelia furiosamente a abalar, a escapar! Porque à sua alma, Deus louvado, não faltava arrojo! Mas era o corpo, o traiçoeiro corpo, que num arrepio, num espanto, fugia, se safava, arrastando a alma – enquanto dentro a alma bravejava!

Mas isso, para si, não é tão óbvio. Acha-se superior, e facto é que a sua simpatia e bondade, por vezes constrastantes com a atitude altiva que pretende alcançar, não nos deixa não gostar dele, pelo contrário, simpatizamos com o homem e o seu coração (que no fundo não sabe o que faz). Há belíssimos momentos de reflexão, de consciencialização, por parte do protagonista, do que faz e porque o faz - e do que os outros pensam de si -, que lhe dão todas as respostas que não quer ouvir e nos elucidam acerca do seu verdadeiro carácter.

Só Eça para nos fazer amar e odiar ao mesmo tempo, com a sua linguagem peculiar e a originalidade na finalização - final perfeito, este d''A Ilustre Casa de Ramires'. No fundo quer-se uma comparação com um Portugal moribundo, mas sempre esperançoso, positivo, dado o passado grandioso. É através desta exaltação, da aristocracia, do colonialismo, mostra Eça (brilhante a - pequena - personagem Castanheiro!), que o país se pode regenerar e voltar a ser grande. Tal como Gonçalo.

Portugal, menino, morre por falta de sentimento nacional! Nós estamos imundamente morrendo do mal de não ser Portugueses!

P.S. - que pena não ter lido esta bonita edição com a Torre dos Ramires!

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