Chicken with Plums - Marjane Satrapi
Depois de 'Persépolis', Mariane Satrapi volta a pegar numa história da sua família para escrever e ilustrar uma novela gráfica inesquecível sobre um tio-avô que desistiu da vida em nome do amor e da música. E, como sempre, fá-lo de forma mágica e irrepreensível.
Nasser Ali Khan é um dos mais famosos músicos do Irão, em 1955, quando descobre que o seu instrumento (em inglês, "tar", uma espécie de guitarra típica da região) está partido e não tem recuperação possível. Ao perceber que nenhum outro o poderá substituir, pois o som não lhe parece bom, decide que não vale a pena viver mais. Durante os oito dias que passa na cama, sem querer saber do mundo exterior, a preparar-se para deixar uma vida que lhe fechou as portas ao amor, vamos percebendo melhor os motivos que levam Nasser Ali Khan a abandonar-se assim à mercê dos sonhos, das memórias e do Diabo que o visita regularmente antes de o levar consigo.
Satrapi também aparece neste drama em forma de banda desenhada, mas desta vez não é a sua infância nem a sua adolescência que roubam o protagonismo da obra. Nasser Ali Khan é um homem verdadeiramente amargurado por um amor que não pôde viver, por ter sido obrigado a casar sem ser por amor, por ter tido quatro filhos com os quais pouco se identifica, por ter vivido para ver o seu instrumento de sempre, o único que lhe soava bem, a ser destruído de forma tão cruel.
A forma como Satrapi conta estes últimos dias do tio-avô, numa verdadeira homenagem à sua personalidade e à sua vida, leva-nos como em 'Persépolis' para um humor negro muito bem construído, para um ambiente de realismo mágico que traz aos sonhos de Nasser Ali Khan as visitas de Sophia Loren e do Diabo, e sobretudo para uma forma de contar histórias muito característica da sua arte. Ninguém, como ela, contaria esta história de forma tão pessoal, tão única, mesmo que não tenha estado lá para viver estes dias ao lado do tio.
É uma história que merece ser lida sem qualquer tipo de sinopse prévia, sem qualquer spoiler a estragar a simplicidade do traço, a subtileza das revelações (cada uma a seu tempo) e em particular a beleza crua com que a autora nos dá a conhecer a sua vida. Deixo para a leitura o porquê da "galinha com ameixas" e todas as histórias dentro da história que este livro conta ao nosso coração.
Que sirva de lição para todas as vidas livres que não o são por constrangimentos auto-impostos e que não têm razão de ser. Que nos leve a ser mais e melhores, a pôr tudo de nós em cada momento e a dar tudo pelas pessoas que significam o mundo para nós. O que me ensinou este 'Chicken with Plums' foi a não menosprezar nenhum segundo dos momentos perfeitos da nossa existência e a arriscar em lugar de deixar estar, simplesmente porque podemos lutar por aquilo queremos, ao contrário de Nasser Ali Khan.
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