As Três Vidas - João Tordo
"Passeei-me pela Quinta do Tempo como se o tempo não existisse, cabisbaixo e silencioso..."
'As Três Vidas', João Tordo
João Tordo é talvez, para mim, o autor mais inspirador de toda a geração contemporânea de escritores portugueses. A sua escrita toca-me pela sua simplicidade, pela carga dramática que consegue transmitir a quem lê, e sobretudo pelas histórias bonitas e emocionantes que nos dá a conhecer, do interior da sua alma para as palavras gravadas no papel.
'As Três Vidas' é uma das suas primeiras obras e, ainda assim, encontramos nela já tanto de seu, do seu estilo próprio que mais tarde viria a aperfeiçoar. Segue um narrador anónimo de uma família modesta, que em busca de um emprego estável acaba por ir trabalhar para o milionário misterioso António Millhouse Pascal e viver na sua quinta algures no meio do Alentejo. A Quinta do Tempo é um lugar ainda mais misterioso do que o seu patrão, que na verdade não sabe exactamente o que faz aos clientes que o visitam de todo o mundo. Sobre a sua nova vida nada pode revelar, como virá a descobrir - e a sua paixão por uma das netas do patrão, a jovem e bonita Camila, será uma obsessão capaz de consumir a sua própria vida.
Há neste romance um misto de suspense, mistério e reflexão, numa história que atravessa três décadas e acompanha a vida e o crescimento de um homem, sempre com uma escrita muito visual e cinematográfica. São mesmo três as vidas que aqui relata na primeira pessoa: antes do trabalho na Quinta do Tempo, a época em que lá trabalha e o momento posterior, que terá de ficar no segredo dos deuses até à leitura do mais ávido leitor.
"Ansiamos por esse momento de felicidade; ele surge como uma queda-d'água no meio de um deserto; e, de repente, não acreditamos nele, por estarmos tão acostumados à sua irrevogável ausência."
Pelo meio há um fio condutor - uma analogia curiosa aqui -, a grande paixão de Camila Millhouse Pascal: o funambulesco. É a arte de andar na corda bamba sem cair, ou pelo menos tentando não cair, como era o caso de Camila. E o nosso rapaz apaixona-se irremediavelmente por esta jovem mulher que tem um sonho que é tudo para ela; não sabendo que esta que será uma viagem de auto-descoberta será também uma obsessão inescapável que ultrapassa já os limites da sua existência consciente.
O que provam estas suas três vidas é mesmo a inconstância da vida, do mundo - como tudo está constantemente a mudar mesmo que tentemos intervir para que tudo aconteça à nossa maneira. Estamos sempre na corda bamba, entre o correcto e o errado, o passado e o presente, a consciência e a paixão, a realidade e a ficção. Às tantas o narrador confunde o que de facto aconteceu com o que acredita que aconteceu (muito 'O Sentido do Fim'!), talvez por querer prolongar a ilusão face à monotonia do dia-a-dia - do que fica no final, depois de termos tentado protagonizar o nosso papel no mundo e quando tudo parece acabar.
É neste binómio de sentimentos, neste fulgor de vida e inspiração que João Tordo nos deixa no final d'As Três Vidas', como em todos os seus outros romances. Estou a chegar àquele difícil momento em que já não tenho assim tantos livros de João Tordo para ler pela primeira vez - o que é óptimo, porque o adoro a todos, mas ao mesmo tempo me parte o coração porque não aguento muitos meses sem mergulhar numa nova história da sua imaginação. Venham mais :)
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