Os Vampiros - Filipe Melo e Juan Cavia

'Os Vampiros' é, para além de um livro de um amigo muito talentoso, uma novela gráfica como poucas sobre a história do nosso país e os demónios que nos atormentam. Aliada ao traço cru e maravilhoso de Juan Cavia, Filipe Melo oferece-nos aqui uma obra de banda desenhada das que mais me marcaram e que dificilmente se esquecem.

A história é a de um grupo de soldados portugueses que está na Guiné, destacado para uma missão secreta no Senegal, durante a guerra colonial, mais precisamente em 1972. À medida que a paranóia e o cansaço os vão assaltando, a missão torna-se num verdadeiro pesadelo onde é difícil distinguir a realidade da loucura.

É uma atmosfera negra e pesada desde o início, mas que só se vai intensificando no decorrer da história. Todos estes soldados já traziam consigo alguns demónios, histórias de vida e passados dramáticos, episódios tristes que nunca conseguiram esquecer. O que lhes vai acontecer nesta missão cujo fim desconhecem é a descoberta de novos motivos para desesperar e chegar à loucura: o cansaço da viagem, a incapacidade encontrar o que em si têm de bom em tempo de guerra.

Não há quem escape a esta loucura, a esta ilusão de que está tudo bem quando na verdade o que os consome por dentro é muito mais intenso. 'Os Vampiros' mostra que todos são vampiros e que todos têm demónios, independentemente do lado da guerra em que se encontram. Não há um lado dos bons e um lado dos maus. Todos são, ao mesmo tempo, culpados e vítimas dos seus actos e psicologicamente responsabilizados por ali terem ido parar mesmo que contra a sua vontade. É a guerra no seu estado mais puro, dentro das nossas cabeças.


O que Juan Cavia mostra de forma fabulosa nas suas ilustrações é este terror da guerra, esta forma subtil como chamamos à realidade os demónios que na verdade só existem numa dimensão diferente da que existe à nossa volta. Como se todas as mortes reais não passassem de algo que acontece e corre perante nós, como o tempo; como se não fossem verdadeiras, mas apenas parte da vida, danos colaterais numa época e num lugar onde não nos podemos dar ao luxo de imaginar o oposto, a vida e a felicidade.

O que Filipe Melo nos oferece com este argumento brilhante e emotivo é conhecer a fundo as mentes destes homens sem presente e sem futuro, e muitas vezes confundindo e perdendo o seu passado no caminho. Já nem distinguem bem quem são os verdadeiros vampiros da guerra em que vivem, nem se reconhecem a si mesmos como os vampiros dos que estão do outro lado a sofrer o mesmo que eles.

Não é possível explicar por palavras o que esta novela gráfica nos faz sentir: o horror da doença mental, a tragédia das suas vidas dedicadas a uma guerra inútil e na qual nem eles próprios acreditam, a luta pela sobrevivência já sem um motivo palpável para lá da luta pela luta, do dia-a-dia. Há poucas obras de banda desenhada que nos toquem tanto pela sua capacidade humana e dramática como esta, imensamente recomendada a quem procure uma obra pensada, madura e inesquecível.

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