Nada a Temer - Julian Barnes
"Dividimo-nos assim em quatro categorias e vemos logo quais as duas que se consideram superiores: as que não receiam a morte porque têm fé e as que não receiam a morte apesar de não terem fé. Estes grupos ocupam a mais alta posição moral. Em terceiro lugar vêm is que, apesar de terem fé, não conseguem livrar-se do velho medo visceral, racional. E depois, já longe das medalhas, abaixo de tudo, na miséria, vêm aqueles de nós que temem a morte e que não têm fé."
'Nada a Temer', Julian Barnes
Julian Barnes entrou há já algum tempo na minha lista de autores favoritos. Conquistou-me com o seu 'The Sense of an Ending', que curiosamente tem muito do que começou por filosofar neste 'Nada a Temer', e em todos os livros dele que fui lendo encontrei algo que me fascinou. Esta obra sobre a vida e a morte, ainda que não me tenha conquistado na íntegra, dá a conhecer um pouco melhor o homem por detrás do escritor - se é que alguma vez os podemos dissociar.
Na morte não há 'nada a temer', dizem os que não vêem na morte o desconhecido, um problema ou um medo relevante durante a vida. Julian Barnes não é um deles: não é religioso e teme a morte como algo que não lhe é palpável e imaginável. Neste livro disserta sobre a sua história de família, a mãe e o pai, o irmão filósofo de quem se sente radicalmente diferente, os amigos com quem conversa sobre o assunto da morte, autores que falam sobre a morte e que têm opiniões muito diferentes sobre este momento final da vida de cada pessoa.
É uma reflexão filosófica, académica de certa forma, psicológica em tudo o que acarreta a ideia da morte e sobretudo muito pessoal: é Julian Barnes, o homem, que aqui escreve na primeira pessoa sobre a sua infância, o seu primeiro contacto com a consciência da morte e a evolução do seu pensamento sobre este assunto que atravessa toda a obra.
"Para o escritor mais velho, memória e imaginação parecem diferenciar-se cada vez menos. Não é porque o mundo imaginado esteja realmente muito mais próximo da vida do escritor do que ele ou ela quer admitir (um erro comum entre os que dissecam a ficção), mas exactamente pela razão oposta: a própria memória acaba por, mais do que nunca, parecer muito próxima dum acto de imaginação."
Mais do que um romance, é sobretudo um diário quase existencialista entrecortado com um conjunto de reflexões de grandes pensadores sobre a morte. Jules Renard, Montaigne e muitos outros surgem citados por Barnes para mostrar as várias visões da morte que, ao longo do tempo, foram sendo partilhadas e a sua própria visão sobre ela no meio de tantos outros pensamentos díspares deste momento temido por muitos.
A religião tinha também de entrar nesta reflexão, na visão religiosa dos crentes e dos não crentes sobre a morte. A defesa de que a religião é um escape, uma forma de acreditar na vida eterna e de negar, de certa forma, a morte como aqueles que a temem a valorizam. Em tudo o que a vida nos faz pensar, entra também a memória: a incapacidade que temos de recordar todos os momentos da nossa vida tal como aconteceram ou tal como os pensámos da primeira vez, e também a forma como imaginamos as nossas memórias e as vamos alterando com o passar do tempo.
O que seria melhor, sabermos exactamente quando e como iremos morrer ou continuarmos a desconhecer esse facto? O que ajuda mais a ultrapassar a ideia da morte, a crença num Deus que nos ajude a crer na vida depois da morte, ou a descrença total? O que nos torna mais ou menos propícios a temer a morte?
Em busca de respostas e sobretudo de uma forma de entender esta ideia da morte como algo que não devemos temer, Julian Barnes leva-nos numa viagem sobre a sua vida e a vida e morte dos que o rodearam, sem nunca nos condicionar a reflexão e misturando a realidade e a ficção para que nem ele mesmo saiba se a escrita é memória ou é imaginação. Não sendo genial na forma como o faz, merece um agradecimento especial por nos tentar esclarecer (ou confundir?) um pouco mais sobre o que estamos, afinal, a fazer neste mundo.
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