Agatha: The Real Life of Agatha Christie - Martinetti/Lebeau/Franc

"My life is not a novel."
'Agatha: The Real Life of Agatha Christie', Martinetti/Lebeau/Franc

A história de um escritor entrelaça-se naturalmente com as histórias e as personagens que vai conhecendo na sua imaginação. O mais curioso em Agatha Christie é que é difícil escolher qual a história mais interessante: se a de uma das suas obras, se a a história da sua própria vida. E conhecer tudo isto numa novela gráfica recheada de referências e de um humor muito próprio é absolutamente mágico.

Agatha cresce entre o amor do pai e a 'concorrência' da irmã, também escritora, que mais tarde a incentivaria a escrever. Casa cedo com Archibald Christie, que lhe dá o nome de escritora e uma filha, Rosalind. Mas ao ver-se traída, Agatha torna-se a personagem de uma das suas histórias e desaparece misteriosamente, reaparecendo dias mais tarde, quando Archie já está a ser acusado da sua morte, dizendo não se recordar de nada. É neste momento que a sua vida muda, deixa o marido e conhece mais tarde um arqueólogo com quem se volta a casar. E entretanto surgem as suas personagens mais famosas e inesquecíveis, como Miss Marple, Poirot e Tommy e Tuppence, e muitas histórias com base nos locais que conhece, nas experiências da sua vida e nas suas muitas viagens pelo mundo.

Nesta novela gráfica, não há momento importante da vida de Agatha em que as suas personagens mais carismáticas não estejam. Mesmo quando tem de as abandonar para sempre, perto do final da vida ou apenas por acreditar ter chegado a hora de se despedir delas. Poirot, a personagem com mais casos policiais desvendados e mais histórias protagonizadas, acompanha esta Agatha de banda desenhada - mas tão real - praticamente durante toda a sua vida. Os autores imaginam entre eles diálogos deliciosos, de uma Agatha que deve muito a Poirot mas nem por isso o idolatra e gosta de o ter sempre como uma voz interior a dizer-lhe como proceder, e por outro lado de um Poirot intrometido que não larga a sua criadora nem mesmo quando esta precisa de paz de espírito e liberdade para pensar.

É curioso este elemento fantástico numa história que, apesar disso, parece ter tão pouco de irreal. Mesmo a recriação do desaparecimento misterioso de Agatha é escrita e ilustrada de uma forma muito cuidada, com a curiosa associação às possíveis reacções das personalidades que a admiravam, mas sempre procurando não fugir aos factos mais do que aproximar-se das especulações sobre a eventual premeditação da sua ausência.

É também interessante a presença de Arthur Conan Doyle na sua infância, através das histórias  de Sherlock Holmes que lia e certamente a influenciaram, e mais tarde vê-lo também como admirador de Agatha, recorrendo até ao espiritismo que caracterizou uma segunda fase da sua vida para entender melhor as suas motivações neste momento de desaparecimento e ressurgimento. É aliás este momento que dá início à novela gráfica e a partir do qual se parte para uma narração mais cronológica da vida da autora.

O que nos dá a conhecer, mais do que a autora que via em tudo quanto eram viagens, espaços, pessoas e experiências uma nova história para contar (ainda que, a certa altura, quase as escrevesse por encomenda, mais do que por ter de facto algo para contar ou vontade de o fazer de certa forma), é sobretudo Agatha, a mulher, a esposa, a mãe; a super-mulher. É uma mulher corajosa, determinada, muito inteligente e, com a idade, cada vez mais exigente consigo e com os outros. É a autora que raramente gosta dos filmes que fazem dos seus livros, mas que até gostou de Billy Wilder e da sua adaptação do 'Witness for the Prosecution'. É a mulher que desafiou, sempre que necessário, os seus editores para poder escrever histórias como 'And Then There Were None', em lugar de escrever mais um dos policiais do seu Poirot que o público tanto apreciava.

Esta vida de Agatha Christie é aqui contada de forma muito coerente, bem humorada, emotiva e dramática quando é preciso, recheada de referências para quem conhece as suas histórias e a sua história, e particularmente inspiradora para quem admira a mulher por detrás dos títulos de 'Dame' e 'Rainha do Crime'. De forma simples e maravilhosa, os três autores conseguem homenagear de forma muito bonita a vida de Agatha, a sua obra e tudo o que criou e que, cem anos após a publicação da sua primeira obra (e de Poirot), 'The Mysterious Affair at Styles', continua a fascinar muitas gerações.

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