Jules e Jim - Henri-Pierre Roché
"De novo o acompanhou até à cidade. Muitas vezes tinham tomado juntos aquele comboiozinho fumarento. Iam de mãos dadas. Ela tirara as luvas, e uma delas estava virada do avesso, poisada nos seus joelhos, formando um coração com a aorta cortada. - Olha o meu coração no teu regaço - disse Jim."
'Jules e Jim', Henri-Pierre Roché
Cheguei até 'Jules e Jim' como quase todos chegamos - pelo filme. Numa bonita edição da Relógio d'Água, em promoção na Feira do Livro, que por ter dado origem à obra cinematográfica de Truffaut desperta uma enorme curiosidade, conheci o mítico triângulo amoroso e a estranha amizade de Jim e Jules - com Kathe, sempre, pelo meio.
Os dois amigos conhecem-se em Paris, em 1907, partilhando visões da vida, mulheres, viagens e uma cumplicidade instantânea que os une desde o primeiro momento. Quando Jules conhece Kathe, avisa Jim: "Esta não". Não era uma mulher qualquer. Muitos anos depois, quando o casamento deles já não é perfeito, Jim ressurge nas suas vidas e a sua paixão por Kathe é revelada. Mas o que podia ser o (re)início de uma bonita história de amor só lhes traz dor, tristeza e tragédia.
De certa forma, sentimo-nos caminhar para uma quase conspiração para a infelicidade daqueles três protagonistas. E, ao conhecermos a vida de Henri-Pierre Roché, que inspirou o autor na escrita deste seu romance, sabemos não só que partilhou em 'Jules e Jim' parte do seu sofrimento, como também que o final trágico que nos apresenta é uma espécie de redenção (ou vingança?) da sua própria história.
Tinha 74 anos quando escreveu este livro, o seu primeiro romance, o que nos leva também a pensar como foi preciso quase uma vida inteira de aceitação e reflexão para se conseguir distanciar o suficiente (será que o fez?) para escrever sobre o que viveu e ter capacidade para o ficcionar em certos momentos.
Apesar de não ser totalmente relevante para o romance em si, é um pormenor interessante na percepção das intenções do autor e na sua forma de escrever - simples, directa, quase como se a sua própria memória já não conseguisse recordar tudo com precisão, excepto nos momentos de conversa com Kathe.
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E esta simplicidade toda deixa-nos um pouco distanciados, também, destas personagens pouco coerentes, muito imprevisíveis e sem substância. É talvez uma característica da época em que escreve, da sua filiação a movimentos culturais como o Dadaísmo, da sua própria autobiografia. Contudo, perdemo-nos entre tantas mulheres, entre o amor e a obsessão, a ideia de uma mulher e a sua personalidade inconstante, todo o triângulo poliamoroso e a história que viaja entre lugares e tempos, não nos cativando de forma permanente - e apenas em certos momentos.
Há uma certa esperança nisto tudo, uma ideia constante de que algo melhor pode vir desta associação, deste novo amor, deste novo tempo e desta nova oportunidade, que no entanto nunca passa disso mesmo: uma oportunidade que não chega a transformar-se em algo concretamente bom para os três. Uma espécie de busca constante por uma felicidade que não lhes está destinada.
O que fica deste 'Jules e Jim' é exactamente toda esta história por trás e todos os pequenos momentos que fazem valer a leitura, bem como o caminhar trágico para um abismo que se apresenta, talvez, como a única solução possível para a vida que os três levaram.
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