O Estrangeiro - Albert Camus

"Hoje, a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: 'Sua mãe falecida'. Enterro amanhã. Sentidos pêsames'. Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem".
'O Estrangeiro', Albert Camus

Haverá frase melhor para começar esta obra, que condicione tanto a acção como esta o faz? Dá início ao absurdo que atravessa 'O Estrangeiro' de uma ponta à outra, um absurdo que, no final, compreendemos ser genial - e como todos os génios se revelam, sempre, minimamente loucos na sua mestria.

Este é o retrato de um homem que de humano parece ter tão pouco. O absurdo sob a forma de uma personagem tão complexa de tão simples que se nos apresenta. É fantástica a forma como Camus nos relata de forma tão fria, embora na primeira pessoa, uma vida vivida quase por acaso, sem se saber bem como nem porquê, descrevendo mais do que vivendo, propriamente. 

E todo este absurdo simplesmente porque, na sociedade em que vivemos, essas coisas são tomadas como absurdas - porque para Mersault era apenas a sua forma de ver o mundo. Para ele era normal, nem tudo precisava de ter uma causa, de ser um efeito; nem tudo precisava de ter uma explicação. Para ele, pelo menos, não tinha. As coisas são como são. Um estrangeiro dentro de si mesmo, portanto.

Desconstrução é a palavra que me vem à cabeça a pensar neste 'O Estrangeiro'. Como desconstruir valores e normas sociais que tomamos por garantidas simplesmente porque nelas fomos criados? Camus dá a resposta. A explicação inicial de Sartre consegue ser tão ou mais genial do que a própria obra, nestes termos do absurdo, desconstruindo também ele a escrita existencialista de Camus. Sobre isto, talvez divagarei mais tarde.

É genial, também, a forma subtil como este Mersault vai mostrando, ligeiramente, os seus sentimentos, em alguns momentos da obra - pequenos vestígios de humanidade que, contrariamente ao que esperamos, não têm prossecução.

Este 'O Estrangeiro' levanta questões em mim: se fôssemos um bocadinho mais como Mersault, não seríamos mais felizes? Ou seríamos efectivamente demasiado inconscientes para viver no mundo tal como o conhecemos? Esta última hipótese parece-me mais verosímil. Ele nem era necessariamente mais feliz, pelo contrário, a sua vida era vazia. De tudo.

Até porque, durante a 'viagem' que foi esta leitura - como alguém costuma dizer, que faz parte de uma hipotética 'Bibliografia para a Vida' -, considerei-o tão absurdo nas acções que o final do livro lhe deu o destino certo. Mas não era um mau homem. E o sol nos olhos pode ser tramado.

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