Sonata a Gustav - Rose Tremain

"- Sabes, sim. Tu percebeste o que nós os dois devíamos ter sido; fui eu quem resistiu. Exceto numa única ocasião, em Sankt Alban, quando eu era o miúdo moribundo e tu me salvaste a vida com um beijo. Pois bem, agora tens de me salvar outra vez."
'Sonata a Gustav', Rose Tremain

Nem sempre as capas bonitas resultam em livros igualmente bonitos, mas há casos em que tal se confirma. 'Sonata a Gustav' é como uma melodia desequilibrada por sentimentos contraditórios, uma história de desencontros e de uma amizade que une e separa duas pessoas em simultâneo durante uma vida inteira.

Gustav Perle conhece Anton Zwiebel na escola, quando ambos têm cinco anos, e desde essa altura tornam-se amigos inseparáveis. Gustav vive com a mãe, Emilie, a sua "mutti", numa casa pobre em Matzlingen, enquanto Anton, cuja família tem origem judia e veio de Berna, vive com os pais uma vida mais confortável. Mas isso não os afasta, pelo contrário, torna Gustav mais próximo também dos pais de Anton, ao sentir a indiferença da mãe e não recordando a figura do pai, morto antes de ele nascer. 'Sonata a Gustav' acompanha esta busca pelo seu passado e por um futuro ao lado do amigo Anton, sempre com a música em pano de fundo.

Anton é pianista, mas tem medo de tocar em público. Coloca em cada tecla toda a sua paixão, enquanto Gustav pouco entende de música, na realidade. Mas sabe que, com ele, Anton se sente sempre melhor. Ajuda-o a "dominar as emoções", expressão que a mãe lhe repete constantemente, herança do seu pai polícia que na sua profissão tinha de seguir mais as orientações superiores do que o que dizia o seu coração. 

Este romance ensina-nos, de certa forma, que nem sempre é possível "dominar as emoções" como se pretende. O pai de Gustav não o conseguiu, e acabou por sofrer com isso na profissão, e por outro lado por descobrir o verdadeiro amor na sua vida pessoal. Já Anton, por seu lado, parece passar a vida inteira a guardar dentro de si o que sente e não quer sentir, o medo de ser alguém, ou de não o ser. E Gustav, no meio de tudo isto, domina-se a si mesmo perante os outros, sente por todos sem sentir nada que se veja cá de fora.

Rose Tremain escreve de forma bela, simples e documentada, pecando apenas por repetir algumas ideias desnecessariamente, a meu ver, e sobretudo por não nos permitir conhecer mais a fundo a complexidade das suas personagens. Gostava de saber mais sobre Gustav, sobre os anos que o livro ignora, sobre esta amizade que podia ter sido mais do que isso. Porque não o foi? A homossexualidade está subjectivamente presente ao longo de toda a obra, e no entanto sentimos sempre que está a fugir das personagens, que os seus corpos não entram bem em lugar nenhum. Falta alguma substância a esta modelagem das suas personalidades, apenas. Um ligeiramente menor domínio das suas emoções.

O que não nos impede de verter a lagrimita nas férias que os rapazes passam em Sankt Alban, ainda novos, ou nos vários momentos em que tanto Adriana como Lottie, como mesmo o Coronel Ashley-Norton, levam Gustav a pensar na vida, na aproximação à velhice, no desperdício dos seus dias sem Anton. Há muitos momentos carregados de emoção, ligados a Gustav e menos a Anton, que fazem este romance chegar um pouco mais perto do nosso coração e encontrar lá o seu lugar para ficar para sempre.

'Sonata a Gustav' segue uma escrita bastante fluida, um ritmo bem estruturado e uma história que nos diz muito às emoções - como uma sonata melancólica, tocada em piano, com os seus altos e baixos, os seus agudos e graves; e como uma carta de amor que descreve toda uma vida em que ele esteve presente nas pequenas coisas.

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