A Arte de Voar - Altarriba e Kim

Altarriba e Kim, a dupla do momento na BD espanhola que estava para conhecer há algum tempo. Não sabia o que estava a perder sem ter embarcado nesta aventura que é 'A Arte de Voar'. Uma vida recheada, muitas vezes de dor e desilusão, que nos enche pela emoção com que é contada, pela simplicidade do desenho e sobretudo pela história e pelo desfecho que encerra.

'A Arte de Voar' é a história de vida do pai do autor, também ele Antonio Altarriba, que abandonou o campo muito cedo para procurar a sua sorte como motorista e acabou a combater na Guerra Civil Espanhola, do lado dos anarquistas. Vive duas Guerras Mundiais, casa e tem um filho, conhece a pobreza e a fortuna, o amor e a desilusão. Aos 91 anos, atira-se da janela num lar de 3ª idade.

A morte inesperada (aos olhos de Altarriba filho) abala profundamente o autor e leva-o a pesquisar melhor a vida do pai para escrever esta novela gráfica em sua homenagem. Altarriba não fazia ideia do que o pai vivera: não conhecia a dureza do seu avô, a vontade do pai de abandonar o campo, a dor do pai com a perda de amigos próximos, a sua luta constante por ser alguém na vida, a sua insatisfação constante com o que ia conseguindo obter.



O que leva um homem de 91 anos, que já viveu tanto, a cometer suicídio? A pergunta, que sabemos de antemão, acompanha-nos nesta viagem desde o início. E Altarriba filho dá-nos a mão na descoberta da resposta, através de capítulos bem estruturados e emotivos. Conta a história na perspectiva de uma queda que se deu em várias épocas da vida do pai: de três andares, em quatro fases, até chegar ao chão e ao fim da sua história, apenas perpetuada na memória e agora também na história da banda desenhada.

O traço simples de Kim, sem adornos ou fantasias em volta, espelha na perfeição esta ausência de satisfação na vida, esta emoção silenciosa que Altarriba pai foi vivendo e escondendo dos que o rodeavam - e talvez de si mesmo, até se aperceber de um aparente insucesso da sua existência ou da impossibilidade de ser feliz na velhice apesar de ter amado e criado um filho seu.

Tive o prazer de conhecer Antonio Altarriba na Amadora BD de 2016 e e foi fascinante ouvi-lo contar a descoberta desta história de vida do pai - e posteriormente da igualmente rica vida da mãe - e a sua busca pelos motivos que tinham levado à sua morte. A distância temporal abafa sempre a dor, mas o olhar vivido, pesado e sentido de Altarriba a descrever a sua jornada de escrita desta novela gráfica é algo que dificilmente esquecerei.

A ler: 'A Asa Quebrada', dos mesmos autores, sobre a história da mãe de Altarriba.

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